No seu livro “Davi e Golias” (Sextante), Malcolm Gladwell cita o Teste de Reflexão Cognitiva, que chama de “o teste de inteligência mais curto do mundo” –são apenas três perguntas.
O TRC, criado pelo professor da Universidade Yale Shane Frederick, “mede a capacidade de entender quando algo é mais complexo do que parece”, nas palavras de Gladwell.
Na quarta-feira, a Folha publicou uma entrevista que fiz com ele em que ele defendia que não há mérito algum em ter nascido mais inteligente: “Quanta justiça há em ter nascido mais esperto?”
A nota no TRC é tão boa para prever em que universidade a pessoa vai estudar que poderia substituir o vestibular: os alunos do MIT, o Massachusetts Institute of Technology, umas das escolas mais prestigiadas do mundo, acertam em média 2,18 questões. Os alunos da menos gloriosa Michigan State University acertam 0,57 questões.
Mas não é só isso. Até os hábitos de leitura das pessoas com notas boas e ruins são diferentes. Enquanto 67% das pessoas com TRC baixo preferem a revista “People” (algo como a nossa “Caras”), 64% daqueles que têm TRC alto preferem a “New Yorker” (no Brasil, pense na revista “Piauí”). Não é de se estranhar, o TRC também tem correlação com a renda.
Vamos, então, ao teste. Tente não responder impulsivamente.
1 – Uma caneta e um bloco de papel custam juntos R$ 1,10. A caneta é um real mais cara do que o bloco. Quanto custam a caneta e o bloco?
2 – Cinco máquinas demoram cinco minutos para produzir cinco peças. Quanto tempo cem máquinas iguais a essa levariam para fazer cem peças?
3 – Em um lago, há um conjunto de flores aquáticas que dobra de tamanho a cada dia. São necessários 48 dias para que esse conjunto cubra toda o lago com flores. Quantos dias são necessários para que ele cubra apenas metade do lago?
As respostas vão abaixo.
Cuidado para não ver sem querer.
Mais cuidado para não ver sem querer.
Bom, lá vai:
1 – A caneta custa R$ 1,05. O bloco custa R$ 0,05.
2 – Cinco minutos (o tempo é o mesmo, uma vez que o número de máquinas aumentou proporcionalmente ao de peças).
3 – 47 dias (afinal, ele dobra todos os dias).
O divertido é que as respostas não são intuitivas. Um raciocínio menos sofisticado (e errado) sugeriria que a caneta custa R$ 1, que as máquinas levam cem minutos ou que são necessários 24 dias para o conjunto atingir metade do lago.
Embora a maior parte das pessoas que eu conheço se saiam bem (e certamente poucas delas acompanham a “Caras”…), a média americana é apenas 1,43 pontos entre os homens e 1,03 entre as mulheres.
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Outra maneira curiosa de avaliar o raciocínio alheio é por meio de um problema de Fermi.
Pouco tempo atrás, um jornalista bastante inteligente com quem conversei falou algo interessante: “O que me irrita não é o sujeito errar um número, mas errar a ordem de grandeza. É escrever, sem nem se tocar de que há algo estranho, que uma empresa está construindo uma sede de R$ 100 bilhões –isso é mais do que o valor de mercado de quase todas as companhias brasileiras!”
Um problema de Fermi testa justamente isso –em outras palavras, ele pega o sujeito “sem noção”. Consiste nisto: você deve estimar, na proposta do físico italiano Enrico Fermi, um dos mais importantes do século 20, quantas viagens de elevador são feitas por dia em Nova York, digamos.
“Não faço ideia”, dirá o leitor mais apressado. Ao que Fermi responderia: pegue um pedaço de papel, uma caneta, e faça um esboço, ué. Alguém minimamente razoável tem uma ideia de quantas pessoas moram na cidade, pode estimar quantas vivem ou trabalham em prédio (a maioria?), quantas viagens uma pessoa faz em média por dia, qual o ocupação média de um elevador…
O importante, óbvio, não é cravar o número preciso, mas saber se a resposta se dá na casa das centenas, dos milhares, dos milhões, dos bilhões. Ou seja, saber se você tem noção de proporção ou se está completamente perdido neste mundão velho –como muitos jornalistas por aí, infelizmente…
Eu e o repórter Gabriel Alves brincamos um pouco aqui com três estimativas que inventamos:
– O número de janelas na cidade de São Paulo.
– O número de cadeiras de dentista no Brasil.
– Quantas pessoas vão ao cinema por fim de semana em São Paulo.
Fizemos as contas de modo independente, e os resultados foram inacreditavelmente parecidos. (A maravilha de ser editor é que você pode falar para o sujeito parar tudo que está fazendo para perder tempo com essas coisas só porque você quer escrever um post para o seu blog, mas juro que ele gostou.) Veja só:
Janelas: 16 milhões (Mioto) e 24 milhões (Gabriel)
Cadeiras de dentista: 100 mil (Mioto) e 90 mil (Gabriel)
Ingressos de cinema: 150 mil (Mioto) e 150 mil (Gabriel)
Não existe uma conta oficial para o número de janelas ou de cadeiras de dentista, infelizmente, mas existem dados sobre os ingressos de cinema –o valor real, descobrimos depois, não fica muito longe de 200 mil ou 250 mil por fim de semana, o que significa que não só acertamos a ordem de grandeza como chegamos bastante perto.
Os problemas de Fermi mostram um pouco “o poder e a beleza da quantificação” que Carl Sagan citava em “Bilhões e Bilhões” (Companhia das Letras): “Conhecer algo apenas qualitativamente é conhecer de maneira vaga”.