A dura vida do filhinho de papai

Por Ricardo Mioto

Eu sou que nem o Sebastião Salgado. Gosto de pobre.

Bom, ok, na verdade eu gosto mesmo é da classe média baixa. Aquelas famílias sofridinhas, carro velho que sempre dá problema, pai e mãe que provavelmente não foram à universidade nem viajaram para fora do país, mas que formam um núcleo familiar estruturado o suficiente para criar os filhos –pai presente, ninguém passa fome, todo mundo toma banho, ninguém tem parente na cadeia etc.

Se você é um filho da classe média baixa e não for um idiota –muitos são–, o mundo é um campo aberto. Vá à universidade e você terá mais instrução do que qualquer um na sua casa. O passo seguinte, trabalhar, significará uma incremento inacreditável de renda.

Você verá que dinheiro é bom e não vai querer parar. O primeiro carro, a primeira viagem à Europa, o primeiro jantar em lugar mais caro, o primeiro apartamentinho. Somos movidos a esforço e recompensa –eis a definição de felicidade. A maravilha é que, para quem veio de baixo, as recompensas soam altíssimas para qualquer esforcinho feito. Para quem não tinha nada, afinal…

É impressionante a quantidade de gente proeminente nas suas carreiras que veio da classe média baixa. Olhe ao redor. (Para quem é realmente pobre é muito mais difícil, porque a falta de estrutura familiar e a necessidade de lutar pelo almoço do dia seguinte desde muito cedo torna escapar do ciclo vicioso da miséria financeira/intelectual um ato heróico.)

Mas e os filhos dos ricos? As recompensas não parecerão exatamente novas… Você já tinha tudo aquilo. Seu pai já lhe deu o carro. Você cansou de ir à Europa. Óbvio que vocês nunca jantaram no Habib’s, este hors concours da classe média baixa –lado a lado com a C&A, claro. Você irá à universidade e não vai se sentir mais esperto do que ninguém na sua casa.

Quando começar a trabalhar, perceberá que terá de se esforçar um monte para conseguir um ganho de bem-estar… nulo! Aliás, provavelmente o seu salário inicial será até incapaz de patrocinar o mesmo estilo de vida que você tinha sob a proteção de papai. Você vai se dedicar e a sua recompensa será… tchan, negativa!

Não é à toa que é tão difícil criar os filhos quando se é rico, afirma Malcolm Gladwell em “Davi e Golias” (Sextante). Ele conta a história de um poderoso executivo de Hollywood que veio da classe média baixa –vestia roupas baratas e levava bronca do pai quando deixava a luz acesa.

“Eu queria ter mais liberdade, queria almejar coisas diferentes. O dinheiro era uma ferramenta para isso. Gostei daquilo. Ganhei mais autoestima. Senti mais controle sobre a minha vida”, disse.

Mas agora, morando em uma mansão, ele não sabia como dar aos filhos a mesma lição.

Escreve Gladwell:

Ele sabia que tivera sucesso porque aprendera, de forma longa e difícil, o valor do trabalho e a alegria e a realização que advêm de abrir o próprio caminho no mundo. Mas, por causa do seu sucesso, seria difícil seus filhos aprenderem as mesmas lições. Os filhos dos multimilionários em Beverly Hills não catam folhas do seus vizinhos. Seus pais não mostram, irritados, a conta de luz quando a lâmpada fica acesa. Não se sentam num estádio de basquete atrás de uma coluna e imaginam como seria ficar perto da quadra. Eles têm lugar cativo perto da quadra.

O executivo argumenta na mesma linha: “Educar crianças em um ambiente abastado é bem mais difícil do que se pensa. As pessoas são arruinadas pelas dificuldades financeiras, mas também pela riqueza, porque perdem a ambição, o orgulho e seu senso de valor próprio. As coisas são difíceis nos dois extremos do espectro. A coisa funciona melhor quando se está em algum lugar intermediário.”

O problema da criação é especialmente difícil para pais que foram pobres na sua juventude.

Ninguém sente saudade de ser pobre e muitas vezes não atribuímos nosso estado atual da riqueza à pobreza anterior –pelo contrário, o pensamento intuitivo é que, se tivéssemos nascido já ricos, seríamos ainda mais abastados, mas isso desconsidera o fator motivação. Isso faz faz com que, ao ter seus filhos, tais pais pensem “não vai faltar nada, vou dar a eles a infância que eu não pude ter”. Como diziam os Mamonas Assassinas, “você não sabe como parte um coração ver seu filhinho chorando querendo ter um avião, você não sabe como é frustrante ver sua filhinha chorando por um colar de diamantes”.

O problema é que ter sido pobre é uma das melhores coisas que pode acontecer com alguém para botar as coisas em perspectiva.

*

Fiz uma entrevista com o Malcolm Gladwell que publicaremos nos próximos dias na Folha. Fico de colocar o link aqui no blog.


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