Crianças de dois anos: coisas encantadoras ou pequenos demônios?

Por Ricardo Mioto
Crédito: Ian Munroe/Flickr/CC BY 2.0
Crédito: Ian Munroe/Flickr/CC BY 2.0

Quando eu tinha uns dois ou três anos, contam meus pais, eu não deixava eles irem trabalhar sem antes dar uma volta de carro comigo no quarteirão –e tinha de ser no banco da frente, algo mais socialmente aceito na época.

Devia ser um porre. De novo o moleque chorando e fazendo você chegar atrasado porque quer andar de carro… Mas e o lado sentimental? “Mãae, não quero que você vá, deixa eu pelo menos ir um pouquinho com você” –e lá está um coração materno partido que não vai conseguir recusar.

É típico de crianças de dois anos: uma constante tensão entre ser essa coisa-amável-carinhosa-que-fala-engraçado-e-segue-os-pais-para-todos-os-lados e esse ser-incontrolável-escandaloso-que-não-fica-um-minuto-sem-nos-causar-constrangimento.

O livro “O Papai é Pop”, de Marcos Piangers, que já citei aqui, é repleto de exemplos dessa situação. O autor catarinense é pai de uma menina de dois anos (e também de uma de oito) e escreve sobre sua relação com elas.

Eu peguei um resfriado violento e quem me traz xarope é a pequena, com um cuidado emocionante, olhando concentradamente para o copinho que pinga no chão a cada passinho. É uma evolução. Na primeira vez em que recebeu essa missão, Aurora tomou todo o xarope.

Ela também penteia o meu cabelo. Antes de cada escovada, lambe a mão e passa na minha cabeça, porque é como as professores penteiam o cabelo das crianças na escolinha. Tenta escovar os meus dentes, pedindo para que eu abra a boca, e depois diz ‘cupe!’, que é para me avisar que está na hora de cuspir.

É também por essa fase dos “terrible two” que a criança começa a questionar as coisas, a apreciar a sonoridade sofisticada de bater uma panela na outra e a riscar todas as paredes. Muitos pais, cansados e impotentes, acabam adotando uma política de “redução de danos”: filho, por favor, então fica essa parede só para você riscar, ok? E se der para bater as panelas só durante a tarde…

Quando não temos filhos, escreve o autor, vemos tudo isso e achamos os outros pais relapsos ou incompetentes. Aquela criança gritando e se jogando no chão no supermercado? A mãe que não deu limites…

“Quando você chega na casa dos amigos e vê pasta de dente espalhada pelo chão, não é culpa deles. A culpa é da criatura mais fofa do recinto. Se você considera que aquele pai que colocou a Galinha Pintadinha no iPad para o filho assistir no restaurante um ser humano desprezível, se você é do tipo que ingenuamente acredita que com diálogo e carinho as crianças crescerão sem birra e sem ranho, você está errado.”

A Galinha Pintadinha, aliás. O livro defende que ela é a melhor amiga dos pais. A última esperança de sossego. “Para Aurora, todos os animais de quatro patas são auau e todas as crianças são nenê, mesmo que maiores do que ela. As únicas pessoa que têm a honra de ter uma palavra exclusiva são papai, mamãe e a Galinha Pintadinha, que é popó.”

Embora o pequeno livro do colunista do jornal gaúcho “Zero Hora” não tenha uma grande linha mestra –é um pouco picotado demais, com vários textinhos–, é uma obra divertida de ler.

O autor é um paizão encantado com suas meninas: “Cansei de levar a minha filha na escola, vê-la chorando e trazê-la de volta para que minha mulher faça o trabalho. Os insensíveis dizem que isso é birra de criança, que ela está querendo me manipular. Então parabéns, está tendo sucesso”. Até por isso, chama a atenção que ele não tenha conhecido o pai –ele conta que sua mãe, desesperada com a gravidez, pretendia abortá-lo. “Mas a barriga foi crescendo, ela foi dando um jeito, e eu nasci. E minha mãe foi meu pai. E tenho certeza que não foi fácil para ela, mas eu estou aqui.”


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