Por incrível que pareça, uns poucos jornalistas nunca ganharam tão bem

Por Ricardo Mioto

Ser jornalista é ruim e está piorando. Mas, para uma pequena elite, as coisas estão na verdade melhorando.

É o que diz o novo livro do economista da Universidade de Chicago Luigi Zingales, “Um Capitalismo Para o Povo”, que já citei aqui.

Ele crê que, em função das novas tecnologias, está surgindo uma “sociedade do vencedor-leva-tudo” –sim, the winner takes it all, como na música do Abba, leitor fã da Alpha FM.

“É verdade que para os repórteres de pequenos jornais locais que perderam o emprego não serve de consolo saber que os colunistas mais famosos do New York Times agora são lidos em dúzias de países, tornando-se astros mundiais”, escreve ele. Mas é assim que é.

A tendência foi percebida há alguns anos pela revista “The Economist”:

Estes são anos difíceis para os jornalistas. Os jornais demitem. Os sobreviventes têm de trabalhar cada vez mais. Nas Redações, o que mais se ouve é gente dizendo que deveria ter estudado direito. 

Mas alguns estão se dando melhor do que nunca. São os passageiros de primeira-classe do mundo do jornalismo. Viraram “jorno-gurus”.

A revista cita Thomas Friedman (entre outros, “O Mundo é Plano”, Companhia das Letras), Malcolm Gladwell (“O Ponto da Virada”, Sextante) e Chris Anderson (“A Cauda Longa”, Campus Elsevier). Eu citaria ainda Nate Silver e o falecido David Carr, escrevendo sobre coisas tão diferentes quanto esportes e mídia.

A revista contava que esses caras chegavam a cobrar US$ 50 mil por uma única palestra –R$ 200 mil.

“Eles se tornaram mestres na arte do marketing global”, dizia a reportagem, que contava que Friedman mora em casa que parece um palácio e que Gladwell negociou R$ 4 milhões só de adiantamentos por um livro. “Nada mal para uma profissão em declínio terminal.”

Embora sejamos uma sociedade ainda muito mais pobre e analógica, nada indica que o fenômeno não vá acontecer no Brasil também.

Ainda que em outra proporção, alguns de nós estão de fato virando grifes nas suas áreas –a meu ver, é o caso do amigo e vizinho de blog Salvador Nogueira, o Mensageiro Sideral, que, dizem, mora melhor que o Thomas Friedman.

O jornalista de ciência Salvador Nogueira, entre um post e outro no blog
O jornalista Salvador Nogueira em evento com entusiastas da astronomia, entre um post e outro. (Ok, mentira.)

COMO ISSO ACONTECE?

A geografia costumava ser um fator de reserva de mercado, escreve Zingales.

Mas um fazendeiro do Mato Grosso hoje pode perfeitamente ser atendido por advogados de um grande escritório de São Paulo, com livre remessa de documentos digitalizados e teleconferências –pior para o advogado local. O mesmo vale para aulas online.

A Folha já publicou várias matérias sobre medicina à distância. Uma contava que médicos paulistas tinham zerado, daqui, a fila de três anos de oftalmologia de uma cidade de Rondônia.

Isso aumenta o mercado potencial dos melhores, que então podem cobrar mais caro, mas quem está fora da elite sai perdendo. Tem um efeito problemático na concentração de renda –mas essa é outra questão.

Para um jornalista, o efeito é que você pode ser lido por muito mais gente do que, digamos, em 1987, por causa das limitações de distribuição de conteúdo da época.

De São Paulo, você pode agora ser seguido de perto por um promotor no Tocantins, um empresário em Manaus ou por um professor universitário de Pelotas –como o tempo dos leitores sempre é limitado, alguém vai sair perdendo.

(Isso afeta também as empresas; assinaturas digitais, ao acabarem com a dificuldade logística, permitem que leitores distantes e interessados em política nacional ou economia tenham um inédito acesso fácil e barato a grandes jornais do centro do país.)

Ok, tio Mioto, gostei disso aí, quero virar um superastro do jornalismo, o que eu faço?

Bom, eu gostaria muito de ter uma resposta perfeita, mas ninguém tem. O que eu e alguns autores temos são alguns palpites, que compartilho:

1) Você é um distribuidor de conteúdo.

É algo que demorei a perceber.

Eu tinha um Facebook bem fechadinho, com posts só para amigos. Se você é jornalista, isso é um erro. Você precisa se aceitar como uma pessoa pública –aliás, pode me adicionar lá.

Isso porque a grande oportunidade dos nossos tempos é cativar um público leitor seu, com quem você tem uma inédita interação absolutamente não mediada. Isso se torna um ativo –você carrega essas pessoas com você.

Fomos “criados” em uma cultura em que a atividade do jornalista acabava na hora em que ele entregava o texto. Todo o resto –imprimir, distribuir, criar uma marca– era um problema da empresa. Isso mudou. Você vai precisar gastar algumas horas promovendo o seu conteúdo e aprendendo o que funciona e o que não funciona. O que me leva ao polêmico segundo ponto.

2) Trabalhe nas horas vagas.

É, pega mal falar isso, eu sei –ainda mais sabendo que a maior parte dos jornalistas acredita em “mais valia” e encara o trabalho como uma jornada diária de inevitável exploração pelo patronato, em vez de uma chance de aprender e aparecer para o mundo.

A minha colega e professora Ana Estela de Sousa Pinto (autora do ótimo “Jornalismo Diário”, pela Publifolha) muitos anos atrás causou certa polêmica ao escrever que, quando você gosta do que faz, não há trabalho excessivo:

A realidade é que não há escapatória: pra fazer um trabalho bom, que sobressaia, é preciso se dedicar de verdade. Não só em jornalismo. Em qualquer profissão. Pense em alguém que você admira e veja se ele não está envolvido com o que faz até os dentes. A opção, viável, até comum, é não trabalhar muito nem demais. Trabalhar só o normal. Mas, a não ser que você seja um gênio (e a maioria de nós não somos), seu resultado será medíocre. É isso que a gente quer?

Claro que a profissão têm muitas facetas e eu mesmo já estive em cargos em que, sinceramente, contava os minutos para os dias (e a vida?) acabarem.

Também sou contra a noção de que jornalismo é sacerdócio –a minha parte eu quero em dinheiro, obrigado–, mas me parece claro que, se você não gosta (muito) de jornalismo, ou de algum tipo de jornalismo, não deveria ser jornalista.

É uma profissão meio cruel. Um médico mais ou menos, sem brilho, ainda terá uma salário bastante razoável. Talvez tenha de viver fazendo plantões aqui e ali, mas vai ter um carro bom, uma boa casa, vai viajar bastante.

Ser um jornalista mediano, que faz só seu trabalhinho oito horas por dia, que não surpreende ninguém, é estar condenado a uma vida um tanto sofrida, mal paga, submissa, deprimente –ainda mais com o rumo que as coisas estão tomando; the winner takes it all, não se esqueça.

3) Crie projetos pessoais.

Certo, vou usar minhas horas vagas. Mas para que?

Dedique-se a coisas que sejam estimulantes para você e que, de algum modo, promovam o seu nome. Proponha um blog. Escreva um livro. Filme um documentário. Tire fotos. Escreva. Crie um podcast. Faça algum projeto. Sei lá.

Escreva, nem que para isso tenha de trabalhar mais. Especialmente no começo da carreira, não fique escondido na “cozinha” de um veículo de comunicação qualquer. Por mais que sua função seja importante, quase ninguém enxergará você.

A internet nos dá uma liberdade incrível de executar ideias. Você não precisa convencer ninguém a reservar um pedaço do jornal para você, por exemplo. Aproveite e faça outras coisas além só de ficar no sofá assistindo MasterChef. Isso é perder tempo.

4) Estude muito, mas não qualquer bobagem.

Estudar é incrível e cada vez mais importante, seja formalmente –na universidade– ou informalmente –pela leitura. Mas dedique-se a coisas que realmente interessam.

Cito aqui o jornalista americano vencedor do Pulitzer George Will: “Se você dedicou seus anos aos estudos de gênero ou à desconstrução do cinema, o meu conselho: após a formatura, nem se incomode procurando um emprego. Sua universidade não o equipou para adicionar valor à economia.”

Para jornalistas, economia e direito são muito úteis –creio que mais do que a própria graduação em jornalismo. História nunca vai mal também, ainda que de modo mais indireto. E temos uma imensa carência de gente que entenda de estatística e programação.

5) Utilize a métrica a seu favor

Nunca antes na história deste país a gente teve tantos meios de entender o comportamento do nosso leitor.

Nos anos 1990 não existiam page-views –alguns poucos veículos gastavam fortunas com pesquisas de leitura. Mas o page-view é só o começo.

As novas métricas permitem descobrir também o tempo médio de leitura. O sujeito só viu a foto e o título ou foi até o fim? Que tipo de recursos narrativos funcionam melhor para prender o leitor?

Há ainda a multiplicação do tempo médio pelos page-views: o tempo total que as pessoas, somadas, gastaram lendo um texto. Podemos analisar a frequência com que o leitor retorna, talvez o dado mais importante. É incrível, e é um mundo a explorarmos. Não sei como tantos colegas não estão nem aí para os dados. Nos nossos tempos, vai ganhar quem tiver mais sucesso ao interpretá-los.

Felizmente, as novas métricas têm mostrado que muitas pessoas se interessam por assuntos importantes, por política, economia, coisas sofisticadas. Mas você vai precisar saber colocar esses assuntos dentro de um texto envolvente –um ótimo livro sobre o assunto é “Contágio”, de Jonah Berger, publicado pela Leya. É o desafio.


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